Jean-Pierre Houdin, um arquiteto francês, acredita que a pirâmide de Kéops foi construída de dentro para fora com a ajuda de uma rampa espiralada, como ilustra a figura ao lado. Essa idéia contraria a hipótese convencional segundo a qual foram utilizadas rampas externas ao monumento para erguê-lo. Usando simulação computadorizada em 3-D, ele tenta demonstrar que a rampa principal, a qual permitiu elevar os enormes blocos de pedra, foi montada internamente a uma distância entre 10 e 15 metros da parede externa da pirâmide. De acordo com a teoria, os construtores ergueram uma rampa externa para os primeiros 40 metros de altura e, a seguir, ergueram uma rampa espiralada interna para completar o restante da estrutura. Uma equipe com 14 engenheiros trabalhou durante dois anos para construir a modelagem por computador. O egiptólogo Bob Brier, pesquisador da Universidade de Long-Island, em Nova Iorque, afirmou: Isto vai contra as principais teorias existentes. Eu mesmo as tenho ensinado nos últimos 20 anos, mas intimamente sei que estão erradas. A visão de Houdin é aceitável, mas por enquanto é apenas uma teoria. Todo o mundo pensa que deve ser encarada seriamente.
Foi em 1999 que Houdin começou a trabalhar em tempo integral para tentar provar sua hipótese. Ele achava que uma rampa frontal com um quilômetro e meio de extensão consumiria tanta pedra quanto a própria pirâmide e seria demasiadamente íngreme no seu topo. Por outro lado, uma rampa espiralada externa teria bloqueado as linhas de visão necessárias para se construir uma pirâmide precisa. Além disso, seria difícil ajustá-la à superfície, deixando pouco espaço para o trabalho. O engenheiro acredita que também pode explicar a função da grande galeria: seu formato alto e estreito sugere que ela acomodava um gigantesco contrapeso para ajudar a suspender cinco vigas de granito, de 60 toneladas cada uma, até suas posições acima da câmara do rei. Usando estas técnicas, Houdin acredita que seriam suficientes 4000 pessoas para construir o monumento.
Em um artigo publicado na revista Archaeology, Bob Brier explica porque as hipóteses do uso de rampas externas ao monumento têm sido postas em cheque. Uma rampa construída em um dos lados da pirâmide não poderia ser muito íngreme sob pena dos homens não conseguirem arrastar os blocos para cima. Considera-se que um declive de 8% é o máximo aceitável e este é o problema com a teoria da rampa única. Com inclinação assim tão suave, a rampa teria que ter, aproximadamente, 1,6 km de extensão para alcançar o topo da pirâmide. Mas não há espaço para uma rampa tão longa no planalto de Gizé, nem evidência de uma construção tão volumosa. E é claro que neste caso o volume de pedra empregada na rampa seria tão grande quanto o da própria pirâmide, virtualmente dobrando o número de homens/hora necessárias para construir o monumento.
Brier continua explicando que já que a teoria da rampa única não funciona, surgiram teorias de que haveria uma rampa ao redor da pirâmide, como acontece com as estradas que sobem pelas montanhas. Assim, não seria necessária uma rampa muito longa e não teriam ficado vestígios da sua existência. A falha desse enfoque é que, com uma rampa espiralada por fora da pirâmide, os cantos não poderiam ser completados até a fase final da construção. Entretanto, freqüentemente teria sido necessário realizar cuidadosas medições dos ângulos nos cantos para garantir que eles se juntariam de molde a convergir para um único ponto no topo. O tronco de pirâmide teria ficado completamente enterrado sob as rampas e os agrimensores não poderiam usar os quatro cantos, as arestas e a linha da base da construção para fazerem seus cálculos. Portanto, esta teoria também apresenta um sério problema.
Outra hipótese que tem sido levantada para a construção da pirâmide é a do uso de máquinas às quais Heródoto faz referência. Até recentemente os fazendeiros egípcios usaram um artefato de madeira denominado shaduf para elevar água do Nilo para irrigação. Este dispositivo pode ser visto em pinturas nas antigas tumbas e, assim, sabemos que estava disponível aos construtores da pirâmide. A idéia é a de que teriam sido usados centenas destes guindastes, em vários níveis da pirâmide, para erguer os blocos. Um problema com esta teoria é que o sistema exigiria uma tremenda quantidade de madeira e o Egito simplesmente não dispunha de florestas para fornecer a matéria prima. Importar tanta madeira teria sido impraticável. Grandes troncos de árvores para construção naval foram importados do Líbano, mas este era um empreendimento muito oneroso. Talvez a objeção maior à teoria dos guindastes seja o fato de que não há espaços para colocá-los em parte alguma. Os blocos da pirâmide tendem a diminuir de tamanho na medida em que o momunento se torna cada vez mais alto. Brier conta que escalou a Grande Pirâmide dezenas de vezes e que no topo os blocos dispõem, às vezes, de apenas 45 cm para que alguém fique em pé. É claro que não haveria espaço para guindastes suficientemente grandes para erguer pesados blocos de pedra.
Em síntese, a teoria de Houdin sugere que para a terça parte inferior do monumento os blocos, representando 73% do volume total da pirâmide, foram elevados com a ajuda de uma rampa reta e externa com inclinação de 8%. Esta rampa seria muito mais curta, cerca de 400 m, do que aquela necessária para alcançar o topo. Ela teria sido construída com blocos de pedra calcária ligeiramente menores do que aqueles usados para erguer a terça parte inferior da pirâmide. Na medida em que a parte inferior do monumento ia sendo construída usando-se a rampa externa, uma segunda rampa ia sendo erguida, dentro da pirâmide, pela qual seriam puxados os blocos para os dois terços restantes da obra. A rampa interna, afirma Houdin, começava na base, tinha aproximadamente 1,80 m de largura e um grau de inclinação de cerca de 7%. Esta rampa só foi colocada em uso depois que a terça parte inferior do colosso foi completada e que a rampa externa já havia cumprido seu papel. A figura acima ilustra como deveria estar a pirâmide no décimo quinto ano de sua construção. Ela se parece com uma pirâmide de dois degraus. O primeiro degrau é definitivo e eleva-se da base até 43 metros de altura. O segundo degrau, recuado cerca de 20 metros da face externa do monumento, vai dos 43 aos 54 metros de altura. Este nível está sendo construído ao redor da Câmara do Rei na medida em que a própria câmara é erguida. A 54 metros de altura a terceira lage de granito do teto da câmara está sendo posta no lugar.
O projeto da rampa interna foi parcialmente determinado pelo projeto do interior da pirâmide.
Hemienu, o irmão de Kéops que supervisionou as obras, conhecia perfeitamente os problemas surgidos no decorrer da construção das pirâmides do seu pai Snefru. Este faraó teve dificuldade considerável para erguer uma pirâmide satisfatória e acabou tendo que construir três em locais ao sul de Gizé. A primeira, em Meidum, deve ter apresentado problemas estruturais e nunca foi usada. A segunda, em Dahshur, parece ter desenvolvido rachaduras nas paredes da câmara funerária e também não foi usada. A correria deve ter sido grande para terminar uma terceira pirâmide, finalmente bem sucedida, antes que o velho faraó morresse.
Bob Brier esclarece: Desde o princípio, Hemienu planejou três câmaras funerárias para assegurar que assim que Kéops morresse um lugar para o sepultamento estivesse pronto. Uma foi cavada no leito de rocha por sob a pirâmide no começo da construção. No caso do faraó ter morrido logo, esta teria sido sua tumba. Quando, depois de aproximadamente cinco anos, Kéops ainda estava vivo e bem de saúde, a câmara funerária subterrânea inacabada foi abandonada e a segunda câmara mortuária, geralmente chamada de Câmara da Rainha, foi iniciada. Por volta do décimo quinto ano de construção, Kéops ainda estava saudável e esta câmara foi abandonada inacabada e a última câmara funerária, a Câmara do Rei, foi construída mais acima, no centro da pirâmide. Acima, posicionamento das rampas internas dentro da pirâmide.
Foram necessários enormes blocos de granito e pedra calcária para as vigas do teto das câmaras da rainha e do rei. Algumas delas pesam mais de 60 toneladas e são muito grandes para terem sido içadas pela rampa interna. Assim, a rampa externa teve que permanecer em uso até que os grandes blocos fossem puxados para cima. Depois que isso foi feito, a rampa externa foi desmantelada e seus blocos foram levados para cima via rampa interna para construir os dois terços finais do topo da pirâmide. Talvez a maioria dos blocos desta parte do monumento seja menor do que as pedras do terço inferior justamente porque tiveram que percorrer a estreita rampa interna.
Várias considerações devem ter sido feitas no projeto da rampa interna. Primeiro, ela teve que ser erguida com muita precisão, de forma a não bater nas câmaras ou nas passagens internas que as conectam. Segundo, homens arrastando pesados blocos de pedra para cima numa rampa estreita não podem virar facilmente num ângulo de 90 graus; eles precisam de um espaço à frente do bloco para ficarem em pé e puxar. A rampa interna tinha que prover meios para que as pedras pudessem virar suas esquinas e Houdin sugere que a rampa tinha aberturas nos cantos, nos quais um guindaste simples teria sido usado para virar os blocos, como ilustra o desenho acima.
Existe alguma evidência que suporte a teoria de Houdin? Parece que sim. Uma pequena evidência parece ser uma das aberturas ou entalhes dos cantos da rampa usados para virar os blocos. Este encontra-se a dois terços acima do canto nordeste, precisamente no ponto onde Houdin predisse que haveria um. Além disso, em 1986, um pesquisador de uma equipe francesa que estava inspecionando a pirâmide informou ter visto uma raposa do deserto entrar no monumento por um buraco próximo ao entalhe, o que sugere que há uma área aberta perto dele, talvez a rampa. Parece improvável que a raposa tivesse escalado mais da metade da altura da pirâmide. O mais provável é que haja alguma fenda não detectada junto ao solo por onde a raposa entrou na rampa e caminhou por ela até sair perto do entalhe. Seria interessante prender um dispositivo de telemetria a uma raposa, enfiá-la no buraco e monitorar seus movimentos.
A mesma equipe francesa já mencionada ofereceu outra evidência mais intrigante. Ao inspecionar a pirâmide, eles usaram microgravimetria, uma técnica que lhes permitiu medir a densidade de seções diferentes da construção, na tentativa de detectar eventuais câmaras ocultas. A conclusão foi a de que não havia nenhuma grande câmara escondida dentro dela. Se houvesse uma rampa dentro da pirâmide, os franceses não deveriam tê-la descoberto? Em 2000, Houdin estava apresentando sua teoria em uma conferência científica na qual um dos pesquisadores da equipe francesa de 1986 estava presente. Ele contou a Houdin que a análise de computador que haviam feito da pirâmide rendera uma imagem curiosa, algo que eles não puderam interpretar e simplesmente a ignoraram. A imagem mostra exatamente o que a teoria de Jean-Pierre Houdin previu: uma rampa em espiral que sobe pela pirâmide. Em outras palavras: a rampa interna ainda existiria no interior do enorme monumento. Na reprodução acima as áreas menos densas parecem corresponder a uma rampa interna. Brier conclui seu artigo afirmando que longe de ser apenas outra teoria, esta tem consideráveis evidências a seu favor e comenta que um dia, se realmente a rampa estiver lá, nós poderemos remover alguns blocos do exterior da pirâmide e subir pela rampa de um quilômetro de extensão que Hemienu deixou escondida dentro do enorme monumento.
A teoria de Houdin e suas várias hipóteses foram analisadas e simuladas em 3D até que a pirâmide inteira fosse construída em ambiente virtual. O computador simulou os processos de construção sugeridos pela teoria e testou sua validade e coerência. O resultado obtido foi o de que não há qualquer incoerência ou impossibilidade dentro da teoria. Além disso, a simulação completa dos processos de construção validou a teoria ao indicar que a duração do trabalho pode ser estimada em cerca de 20 anos, tempo aproximado do reinado de Kéops.
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